
Recebemos a herança da mitologia do revolucionário profissional que abdica de tudo na vida pela causa. Mas também a da crítica aos processos de burocratização no interior dos partidos e da defesa de uma democracia radical. A questão é o que fazer de tudo isto hoje nas condições atuais da sociedade e de um partido anti-capitalista. E como responder aos graves erros cometidos pela direção do Bloco no caso dos despedimentos recentemente denunciados na comunicação social.
No passado recente, o partido implementou e desistiu de um modelo de contratação por concurso para afastar o espetro das contratações por grupos de amigos ou fações no interior do partido. Contudo, isso reproduziu muitas das práticas anteriores e nenhuma lição foi tirada.
E é preciso tirar lições. Sobre isso e sobre muito mais. Sobre os privilégios que implica para quem a comanda haver uma estrutura profissional, sobre os perigos da profissionalização política prevalecer sobre os espaços de militância, sobre a reprodução no interior do partido da divisão do trabalho, das desigualdades salariais e estruturas hierárquicas, sobre carreiras e como o trabalho político pode ser também um privilégio ao alcance de poucas pessoas e de pessoas de certas camadas sociais ou então como se torna uma dependência com consequências políticas e na vida, como condiciona todo um percurso de vida, sobre condições de trabalho e como de certas formas trabalho e militância se podem misturar num cocktail explosivo ou numa realidade esgotante. Sobre tudo isto e muito mais.
Há uma fragilidade imensa num partido dependente para o seu funcionamento de resultados eleitorais. Condiciona modos de funcionamento e até estratégias políticas. Há uma dificuldade estrutural em construir e fazer crescer um partido suportado sobretudo pelo auto-financiamento militante. Há uma forma dominante de fazer política que implica determinados gastos, com tudo o que isso implica. Estas são questões estruturantes num projeto político e as respostas não são factos adquiridos.
E, para além de outras consequências, e dos aspetos humanos da questão dos despedimentos no Bloco que não são de somenos importância, tudo isto implica que o partido se repense profundamente. Um amplo processo de debate sobre isto deverá ser lançado desde já. E deve ter consequências de cima a baixo no partido.