Hora de Recomeçar

Moção H apresentada à XIV Convenção do Bloco de Esquerda

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Depois da sua maior derrota eleitoral de sempre, o Bloco de Esquerda vive a sua “Hora H”. É tempo de começar de novo, de não ignorar os problemas estruturais internos e os desafios da situação política – nacional e internacional – mais perigosa que o partido já viveu.

Por isso, esta Convenção tem de ser um ponto de inflexão relativamente ao caminho que tem sido seguido até aqui. Mas este tem de ser efetivo e não apenas cosmético. O próximo ciclo deverá ser de mecanismos participativos internos, de diálogos alargados à esquerda e de resistência antifascista determinada.

1. O mundo em que vivemos

A continuidade das políticas de exploração e divisão da humanidade que atravessa o capitalismo é, nos nossos dias, intensificada por uma crescente dificuldade de o capitalismo assegurar o processo de acumulação de capital, acompanhada pela ascensão das forças fascistas e ultraconservadoras. A Europa e Portugal não são exceções a esta tendência global.

1.1. A intensificação da crise do capitalismo

O aumento das desigualdades num capitalismo dominado por novos oligarcas e velhos magnatas, o acentuar do crescimento da extrema-direita e do ultra-conservadorismo, o genocídio do povo palestiniano às mãos do colonialismo sionista, a continuação da invasão da Ucrânia pelo regime russo e da ocupação do Sahara Ocidental por Marrocos, os renovados choques entre imperialismos e o fortalecimento dos militarismos com a corrida aos armamentos, o agravamento da crise climática e a inação dos poderes instituídos, a continuação da política da Europa-fortaleza que empurra incessantemente migrantes para a morte, são claros sintomas do estado do mundo.

Vivemos um tempo de crise do processo de acumulação do capital em que este tem mais dificuldades em encontrar novas saídas. Para o capitalismo, o imperialismo, a guerra e o genocídio surgem como resposta. O armamentismo é, por isso, parte essencial desta equação.

1.2. A Europa não é o centro do mundo

A Europa enfrenta um processo de periferização. Se persiste a sua crise de projeto político e a ausência de uma soberania popular como base da União Europeia, há ainda assim mudanças: o pilar da livre circulação perde peso face a um retomar das fronteiras, mesmo no interior do espaço Schengen, à medida que a retórica anti-imigrantes (alicerçada pela indiferença à crescente violência neonazi) e o securitarismo avançam. Ganha força um novo militarismo europeísta.

A arquitetura das instituições europeias e da moeda única mantém-se ao serviço das classes dominantes dos países mais poderosos, o euro-liberalismo austeritário permanece lei no Tratado Orçamental e o Euro continua feito à medida dos interesses das potências do capitalismo centro-europeu, sendo um colete de forças para as classes trabalhadoras. Aos estados-membros, é imposta uma política económica única, de tal forma que a implementação de um programa mínimo de governo à esquerda – que incluísse, por exemplo, a nacionalização de setores essenciais, a subidas de impostos sobre a riqueza, a reestruturação da dívida pública, ou a aplicação de políticas autónomas de investimento – implicaria um confronto com as instituições europeias e com os poderes por detrás delas.

1.3. Portugal não é uma ilha

A recente vitória eleitoral da direita reforçou uma burguesia interessada em continuar um rentismo predatório do Estado, avançar com a privatização do Serviço Nacional de Saúde e de parte da Segurança Social, e em fazer pender a balança ainda mais em benefício do capital contra o trabalho. Nesse sentido, marca a manutenção de uma governação mais que confortável com a crise na habitação e apoiada nos interesses especulativos que a promovem, fomentadora do desinvestimento no Estado Social, ao mesmo tempo que assume roupagens de extrema-direita, nomeadamente nos temas migratórios.

Mas o quadro parlamentar resultante das legislativas de 18 de maio traz desafios inéditos. Em primeiro lugar, fica nas mãos do governo a ameaça permanente de uma alteração constitucional, podendo desta forma aprofundar todos estes processos regressivos.

Em segundo lugar, a extrema-direita como segunda força política ao nível nacional implica uma alteração importante no quadro desenhado pelo rotativismo do centrão em que o país tem vivido ao longo de décadas, e essa transformação não deve ser menosprezada.

Esta extrema-direita tinha vindo a ganhar espaço cavalgando a onda autoritária internacional, recolhendo apoio de vários setores do patronato e dos descontentamentos difusos por anos de erosão do Estado Social, capitalizada pela cobertura mediática de que é objeto, e a que os movimentos emancipatórios não souberam responder.

Neste contexto, a direita fascista ganha ainda mais força, ficando abertamente à espreita de um desaire para se posicionar como partido mais votado e alternativa de governo. Só que o seu crescimento é preocupante não só por esta perspetiva, mas também porque levanta questões prementes, baseadas num ultraconservadorismo, para as quais é preciso procurar, desde já, respostas unitárias. 

Por sua vez, o Partido Socialista afundou-se numa crise que não é mascarada pela pseudo-unanimidade momentânea à volta de um novo secretário-geral de perfil mais à direita do que o anterior. Porém, é preciso não esquecer que já a sua anterior direção, que tinha escolhido fazer um ajuste de contas com o governo de maioria absoluta do seu partido não pela diferenciação à esquerda, mas precisamente sobre questões migratórias – assumindo a retórica da direita -, que se juntou a esta para voltar a escancarar as portas aos interesses da especulação imobiliária na lei dos solos e que se manteve agarrada ao social-liberalismo, não fez qualquer caminho de aproximação à esquerda, desmentindo quem sonhasse com convergências. A nova direção abre o caminho da colaboração com a direita mais facilmente do que a espaços de diálogo com a esquerda.

2. Respostas para sair da situação atual: a esperança do anticapitalismo 

Quando tanto falha na vida de quem trabalha, a esperança de um mundo diferente não pode ser adiada para dias de festa, ou tomada como um devaneio. Deve ser uma prioridade concreta da esquerda anticapitalista. Só com um projeto socialista de transformação de fundo do mundo poderemos vencer tanto a extrema-direita do ódio, como o centrão dos negócios.

2.1. Construir a contra-hegemonia

A batalha contra a hegemonia capitalista, nomeadamente nas suas facetas mais agressivas e conservadoras, não pode ser adiada. Discussão estratégica e formação política têm de ser prioridades, pois isso permite escolher a tática mais adequada a cada momento. É preciso promover a discussão de alternativas de fundo que configure uma aprendizagem e crescimento coletivo na crítica radical do capitalismo. 

Um dos domínios prioritários neste âmbito é o do desarmamento. A esquerda deve bater-se por uma política de desarmamento, nomeadamente o desmantelamento do arsenal nuclear a nível mundial, contrariando os interesses que alimentam a indústria bélica e nos querem fazer crer que a reindustrialização se fará pelo investimento na “defesa” necessária para a nossa “segurança”. 

Um outro campo de batalha política e ideológica é o da construção de uma narrativa de alinhamentos internacionais alternativa quer à globalização neoliberal, quer ao regresso reacionário do isolacionismo nacional. O internacionalismo não pode ser uma solidariedade vaga e distante, tem de ser uma tarefa quotidiana. O Bloco de Esquerda tem de ser o partido da solidariedade sem fronteiras. Cabe-nos fazer caminho no estabelecimento de alianças globais, entre movimentos, sindicatos e partidos emancipatórios, porque os combates que se perfilam no nosso horizonte dependem disso. A criação da Aliança da Esquerda Europeia pelo Povo e pelo Planeta, da qual o Bloco é um dos membros fundadores, deve ser encarada como um dos mecanismos privilegiados para fazer esta coordenação política. No entanto, não a deve esgotar: é preciso lutar para criar frentes anticapitalistas e antifascistas à escala global. Que consigam disputar ideias, organizar greves internacionais, impulsionar transformações de fundo em todo o mundo. 

Neste âmbito, o Bloco deve dar centralidade à defesa da saída de Portugal da NATO, exigindo a saída imediata e total dos EUA da Base das Lajes, nos Açores. Esta conceção internacionalista deve olhar para a UE com a clareza de saber que será preciso desobedecer-lhe. E essa desobediência não pode ser um slogan vazio. O Bloco de Esquerda precisa de ser um motor de iniciativas de debate e mobilização ao nível continental e precisa de clareza: devemos reivindicar a alteração das regras do Euro e preparar política e tecnicamente uma saída eventualmente necessária da moeda única e da UE no quadro de um governo de esquerda que aposte na justiça social contra a euro-chantagem permanente.

2.2. O partido anti-sistema

Neste quadro político, o Bloco de Esquerda enfrenta o desafio simultâneo de juntar forças para resistir à ofensiva de direita, de combater determinadamente a extrema-direita e de construir uma alternativa anticapitalista ao presente estado do país e do mundo. 

A necessidade de combater o fascismo implica que nos devemos esforçar por nos assumir como parte da alternativa transformadora de fundo e recuperar a prática anti-sistema, sem a qual há um espaço de descontentamento que vai tendencialmente ser ocupado pela demagogia da extrema-direita. Ou seja, em vez da esquerda se remeter ao papel da moderação permanente por medo da extrema-direita, o caminho é enfrentá-la.

Isto deve vir a par com a procura de novas formas de fazer política, de proximidade, de escuta ativa das populações, da capacidade de deixar o centralismo e falar as linguagens do interior do país, das geografias e pessoas esquecidas, de dialogar no sentido de estabelecer um horizonte que lhes permita acreditar que é possível transformar concretamente as suas vidas para além dos slogans políticos, para dar resposta à crise de esperança que marca o nosso tempo.

Precisamos de um partido que coloque no centro do debate a construção de uma sociedade mais justa. Precisamos de um partido que dê às pessoas uma mensagem de esperança perante a barbárie capitalista e armamentista. O Bloco precisa de se afirmar como um partido de alternativa à catástrofe contemporânea – isso somente será possível se, num contexto de diálogos alargados à esquerda, formos claros no nosso projeto de transformação social e se conseguirmos fazer renascer a esperança na política de esquerda. Um projeto político radical e alternativo apenas será bem-sucedido se oferecer a militantes e simpatizantes o vislumbre de uma mudança efetiva do estado atual e se conseguir mobilizar essa vontade de fazer diferente.

Tal como o país é marcado por profundas assimetrias territoriais — com o interior abandonado, subfinanciado e despovoado — também o Bloco tem falhado em garantir uma presença sólida e contínua nos distritos do interior. Apesar do esforço militante, o trabalho realizado no interior tem pouca expressão nas estruturas nacionais, como exemplificado pelo reduzido número de funcionários atribuídos às distritais, mesmo quando o Bloco dispunha de um quadro de funcionários significativo, dificultando o enraizamento em territórios onde a sua presença é essencial. Falta, em síntese, uma estratégia que valorize e articule o território com a direção política do Bloco. É necessário reativar o Grupo do Interior como espaço de articulação e debate político, promover conferências nas regiões do interior para discutir problemas concretos e construir soluções com quem lá vive, reforçar os canais de comunicação entre estruturas locais e nacionais, e garantir espaços de formação política para os militantes destas regiões. Combater as desigualdades internas é condição fundamental para que o Bloco seja coerente com os valores que defende: justiça social, coesão territorial e participação democrática.

O desafio do Bloco de Esquerda é abrir portas a novas formas de fazer política e de repensar o socialismo.

2.3. O Bloco das lutas

2.3.1. Um partido de solidariedades

O Bloco de Esquerda deve ser o partido das solidariedades antifascistas, identificando as pessoas mais vulneráveis aos ataques da ultra-direita machista, racista, capacitista, LGBTQI+fóbica e procurando formas de as defender, promovendo redes e estratégias de solidariedade.

Precisamos de um Bloco de Esquerda com mais dedicação ao apoio dos movimentos e que não ceda à tentação de os controlar, de atropelar as suas decisões, de impor a sua agenda ou à ânsia de fazer “porta-vozes” para falar por eles. Com um diálogo aberto, modesto e crítico das suas insuficiências e da insuficiente representatividade das franjas mais marginalizadas da sociedade.

Só o movimento das pessoas trabalhadoras, o antirracismo, o feminismo, o movimento LGBTQI+, o movimento de defesa dos animais, o anticapacitismo e os movimentos de defesa das pessoas com diversidade funcional dão vida à diversidade que é a nossa matriz. Temos de ser a esquerda socialista que alia o reconhecimento da diferença com a abolição de todas as formas de submissão e exploração. Um Bloco de Esquerda que ajude os movimentos a crescer em vez de procurar crescer neles.

Precisamos de ousar afirmar-nos como o partido das solidariedades, apoiando experiências coletivas criadoras de comunidade: coletividades, cooperativismo, produção agrícola alternativa ao agro-negócio, mercados sem intermediários, coletivos culturais alternativos, grupos que lutam pelo direito à habitação, associações e comissões de moradorxs. Estar em todos os lugares de participação coletiva que combatem a atomização e o individualismo.

2.3.2. Desfazer os nós do trabalho, unir os pontos do sindicalismo

A esquerda precisa de quebrar o ciclo de impotência política, sujeita à defesa de mínimos, assumindo a iniciativa política em vez de se concentrar apenas em reagir às manobras do poder: trazer a jogo a redução do tempo de trabalho e o aumento do tempo de férias ou definir limites máximos e mínimos ao rendimento, por exemplo. 

O sindicalismo continua a perder força e representatividade com muitas dificuldades de renovação ou de encontrar formas de contrariar a atomização de classe e a perda de referenciais de luta.

Neste contexto, é imperativo pensar a organização sindical, resgatando-a das suas paralisias: democratizando-a com horizontalidade; ultrapassando as lógicas das burocracias sindicais tantas vezes afastadas do dia-a-dia de trabalho; abrindo-a a pessoas desempregadas e precárias, incentivando ação unitária entre diferentes setores e pensando à escala internacional.

Para o Bloco de Esquerda, o ativismo no mundo laboral é fundamental. Aí favorecerá a unidade em torno de processos de luta, a decisão informada, a democracia de base e a articulação das lutas, a coordenação da intervenção sindical com as necessidades das comunidades e o trazer as reivindicações anti-austeritárias para a luta laboral. É necessária uma coordenação entre movimentos e sindicatos que junte as questões económicas e políticas e possa construir uma frente anticapitalista e abertamente ecologista que seja capaz de alargar lutas e protagonismos e inverter a relação de forças entre capital e trabalho.

2.3.3. Não deixar os trabalhadores migrantes para trás

A ofensiva contra os direitos dos imigrantes é um eixo central da política atual que não deve ficar sem resposta. Serve ao mesmo tempo para a extrema-direita criar bodes expiatórios, fortalecendo a sua política do ódio e para os deixar numa posição de fragilidade que beneficia os patrões que exploram a sua força de trabalho e os senhorios que encavalitam seres humanos em pequenos espaços sem condições mínimas de habitabilidade.

A esquerda não deixa os trabalhadores migrantes para trás. Em vez do discurso de que estes são necessários para garantir o lucro dos capitalistas, enfatiza a necessidade de uma contra-ofensiva no sentido de defender salários e direitos dos trabalhadores migrantes e de penalizar os patrões e senhorios que os desrespeitem.

Para além de direitos laborais iguais e da prevenção do trabalho em condições análogas à escravatura, um serviço de apoio simplificado ao cidadão estrangeiro e a garantia do direito de acesso a cursos públicos de língua portuguesa fazem parte do mínimo que é preciso garantir para uma política credível de integração, na qual a reunificação das famílias deverá ser um direito fundamental.

2.3.4. O Ecossocialismo não pode ser adiado

Todos os alarmes críticos já soaram sobre as alterações climáticas. As consequências do desastre ecológico fazem-se sentir dramaticamente. Esta bomba-relógio não espera pelos avanços e recuos dos bons e maus fígados dos corredores de poder, nem se desarma com meias-medidas ou promessas de capitalismo “verde”. Não há tempo nem condições para continuar com a política do costume. Daí que seja necessário um Bloco de Esquerda em que o ecossocialismo não seja só um discurso bonito, mas tenha consequências a todos os níveis. Que faça da urgência climática a convocatória decisiva na luta para ultrapassar o capitalismo, um projeto de transformação radical do planeta que combine a transição energética com a melhoria das condições de vida da maioria da humanidade, que construa comunidade fora das teias do mercado e novos entendimentos da vida e da nossa relação com os ecossistemas a que pertencemos. A demarcação clara das promessas e falsas soluções do “capitalismo verde” tem de ser acompanhada pela defesa das formas de autoprodução, além de soluções energéticas locais e sustentáveis. A esquerda não pode ter medo de dizer que a emancipação não é igual a crescimento.

2.4. O local como motor das transformações sociais

O trabalho local deve ser a cara de uma forma de fazer política que marque a diferença, pautada pela democracia participativa, pela procura de unidade das forças de esquerda para resolver problemas concretos e essenciais, pelo encontro com o país das lutas concretas e das esperanças partilhadas que vive para além das instituições, pela criação de dinâmicas organizativas e políticas locais mobilizadoras que vão desenvolvendo coletivos no território, locais de trabalho, escolas e universidades, em vários sectores da sociedade.

O trabalho autárquico não serve só para agitar a bandeira do partido ou construir organização à escala municipal. Nos programas que fazemos e nos cargos que exercemos não nos propomos meramente ser bons gestores. Queremos mudar paradigmas. Não nos submetemos às lógicas da lei do valor, de gentrificação, de privatização de serviços públicos de proximidade, não ficamos inativos perante as alterações climáticas nem aceitamos a insensibilidade social. Procuramos responder às necessidades reais das populações, através de alternativas democráticas e socialistas, ensaiando novas formas de pensar o território e de construir comunidade.

É necessário um partido que saiba ouvir a população e apresentar soluções que se adequem aos problemas de cada local, e não meramente uma proposta centralizada, ao mesmo tempo que se empenha na construção das medidas sugeridas. Precisamos de ter um partido que esteja presente nos movimentos sociais e junto das associações, dos clubes e dos espaços de lazer, bem como junto daquelxs que todos os dias contribuem para a vida social do seu bairro, da sua aldeia ou do seu quarteirão.

O futuro que queremos já está a ser construído. Localmente, dispersamente, mas está em movimento. É fundamental reconhecermos esses sinais e difundi-los, pois fazem parte de um património que fundamenta a esperança.

2.5. A afirmação da esquerda nas Presidenciais

Perante as eleições Presidenciais que terão lugar no início de 2026, o Bloco deve empenhar-se na construção de uma candidatura que mobilize a classe trabalhadora na conquista de direitos, contra as políticas reacionárias da direita clássica e fascista. Esta candidatura deverá alinhar-se com os princípios gerais que norteiam a política do Bloco.

3. A organização interna de que precisamos

O pior resultado de sempre do Bloco não poderá ser explicado de uma forma simplista. No entanto, para lá de elementos conjunturais, a derrota diz-nos que o Bloco tem um reduzido enraizamento social. Mesmo tendo tido, nos últimos 10 anos, vários momentos com resultados eleitorais significativos, não construímos uma base social persistente. É preciso criar uma política que crie um enraizamento social profundo.

3.1. A elaboração programática e as decisões de campanha como processos coletivos

Depois de várias derrotas eleitorais, o Bloco de Esquerda sabe que não poderá ficar fechado num pequeno grupo de dirigentes e nas rotinas habituais de funcionamento. É preciso abertura e radicalidade, coragem de inovar e começar de novo num partido-movimento para o qual o anticapitalismo não seja só uma palavra para dias de festa e se traduza permanentemente no concreto.

Precisamos de um partido menos perdido nos Passos Perdidos, mais achado nas lutas e menos centrado no mediatismo imediatista, nas “campanhas de slogans”, no qual uma cúpula decide quase sozinha o programa que é levado a eleições, assim como a forma como este se apresenta e defende em campanha. Uma dinâmica de elaboração coletiva daqueles que são os pontos fundamentais de um programa político a levar a eleições pode assegurar um programa mais completo, robusto e ambicioso a apresentar àqueles com quem queremos fazer política e representar. E assegurará, certamente, um maior envolvimento nos momentos de campanha, cujos eixos chave devem igualmente ser definidos coletivamente, para se ajustarem de forma mais adequada à conjuntura e perceção social da população.

O Bloco deve, igualmente, procurar dialogar de forma intensa com outros diversos setores do movimento social, com independentes, com pessoas que se afastaram do Bloco. Não basta dizer que refletiremos sobre os erros passados: é mesmo preciso abertura, humildade e garantir que ninguém será excluído deste processo de reflexão e reconstrução política. Esses contributos serão fundamentais para percebermos como podemos criar um enraizamento social profundo nos bairros, junto das franjas mais pobres da classe trabalhadora, nos locais de trabalho, e para sermos mais vozes e mais mãos neste esforço de construção coletiva. Neste âmbito, devemos ter como prioridade a realização de iniciativas como conferências que congreguem uma grande amplitude de sensibilidades, onde se discutam temas como a estratégia da esquerda para a preservação e ampliação das liberdades existentes, o combate ao fascismo, a luta por direitos como a saúde e a educação públicas ou a apropriação coletiva da economia.

Um partido das solidariedades precisa de fazer mais e melhor. Ouvir as pessoas, estar ao seu lado, é esse o nosso foco. Nesse sentido, as campanhas do Bloco devem pautar-se cada vez mais por ações que rompam com o modo tradicional de fazer campanha. Devemos, por isso, reforçar a necessidade de debates abertos à população, de recolha de assinaturas para os vários projetos que surjam, de realização de inquéritos e de levar a cabo mais porta-a-porta.

3.2. Uma democracia de alta intensidade

Ao nível interno, o Bloco de Esquerda tem estado centrado num número reduzido de figuras que se perpetuam nos lugares e em dois grupos organizados que confluíram numa maioria, cujas cúpulas concentravam todas as decisões essenciais sobre a vida do partido que chegavam já fechadas à militância. Rotatividade nos órgãos, limitação de mandatos, reafirmação do primado do trabalho coletivo de direção, mais decisões a partir da base, criação de um boletim interno como veículo da diversidade de opiniões, de um portal de transparência com informação atualizada sobre contas do Bloco de Esquerda, informação genérica sobre escalões salariais de funcionários e declarações de interesses, propriedades e rendimentos de pessoas eleitas e dirigentes bloquistas, são agora alguns dos passos necessários para mudar de rumo, reinventar a militância significativa e ser mais o partido-movimento que faz a diferença na forma de se organizar e não apenas reproduzir os modelos gastos dos partidos tradicionais. Uma militância que começa com integração da sua base, desde os mais veteranos aos mais novos, das militantes mais perto dos centros urbanos às mais isoladas. Mas este debate, reiteramos, deve começar agora e deve continuar a ser feito ao longo dos próximos anos.

Num partido que muitas vezes estigmatizou a divergência, menorizando e ostracizando quem não aderisse ao seu “centrão”, é preciso ainda que a diversidade interna deixe de ser apresentada como “divisão” e que quem pense diferente não seja caricaturado ou rotulado como “inimigo interno”.

Novas práticas de debate não confrontacional e não discriminatório, de cuidado militante a todos os níveis, são determinantes para identificar problemas, construir camaradagem, reduzir conflitos e sobrecargas de trabalho, para que a militância não seja tornada um sacrifício e seja fonte de formação e aprendizagens. Um partido das solidariedades tem de começar na sua casa.

3.3. A importância das distritais e concelhias

Na organização interna local, o Bloco de Esquerda deve pautar-se pela autonomia das concelhias, pela promoção de mecanismos democráticos e pela construção de espaços de debate igualitários que ultrapassem o tarefismo. Queremos reforçar o poder dos órgãos distritais e concelhios, para que possam deliberar autonomamente sobre assuntos específicos, salvaguardando o respeito pelos princípios gerais do Bloco. Queremos igualmente dar aos grupos de trabalho autonomia de decisão para que possam ajuizar de uma forma descentralizada. Estas medidas são necessárias para que possa haver espaço para as e os militantes verem as suas vozes reconhecidas, para dar lugar ao surgimento de novas formas de fazer política e para haver um enraizamento mais forte das bases. Para além das distritais e das concelhias, deve ser promovida a organização de núcleos locais de militantes, núcleos de militantes por setor laboral e núcleos de estudantes nas escolas secundárias e nas universidades. 

Estas medidas contribuirão igualmente para a formação e consolidação de direções intermédias. Num partido tão centralizado como se tornou o Bloco, há uma necessidade crescente de formar quadros intermédios para não esvaziar a militância. Não podemos ter um partido em que se oscila entre o mero tarefismo e os corredores do parlamento. Precisamos de um partido com uma estrutura forte, construída a partir de baixo.

3.4. Aprender com os erros, funcionar melhor

Recebemos a herança da mitologia do revolucionário profissional que abdica de tudo na vida pela causa. Mas também a da crítica aos processos de burocratização no interior dos partidos e da defesa da democracia. A questão é o que fazer de tudo isto hoje nas condições atuais da sociedade e de um partido anticapitalista.

O caso dos despedimentos das funcionárias que estavam em período de amamentação abriu uma ferida por sarar e um divórcio com parte das pessoas que se identificavam com o Bloco.

No passado recente, o partido implementou um modelo de contratação por concurso para afastar o espectro das contratações por grupos de amigos ou fações no interior do partido. Contudo, isso reproduziu muitas das práticas anteriores e nenhuma ilação foi tirada.

E era preciso tirar ilações. Sobre isso e sobre muito mais. Sobre os privilégios que implica para quem a comanda haver uma estrutura profissional; sobre os perigos da profissionalização política prevalecer sobre espaços de militância; sobre a reprodução no interior do partido da divisão do trabalho, das desigualdades salariais e estruturas hierárquicas; sobre carreiras e como o trabalho político pode ser também um privilégio ao alcance de poucas pessoas e de certas camadas sociais, ou como se torna uma dependência com consequências políticas e pessoais, como condiciona todo um percurso de vida; sobre condições de trabalho e como certas formas trabalho e militância se podem misturar num cocktail explosivo ou numa realidade esgotante. Sobre tudo isto e muito mais.

O resultado das últimas eleições deixou ainda mais à vista a fragilidade imensa de um partido dependente de resultados eleitorais para o seu funcionamento quotidiano. Isto tem condicionado modos de funcionamento e até estratégias políticas. A dificuldade em construir e fazer crescer um partido suportado sobretudo pelo autofinanciamento militante é estrutural. A forma dominante de fazer política implica determinados gastos que este autofinanciamento nunca cobriu. Estas questões que sempre foram estruturantes num projeto político ficaram agora mais à vista. E as respostas não são dados adquiridos.

Para além de outras consequências e dos aspetos humanos da questão dos despedimentos que não são de somenos importância, tudo isto, somado com a nova situação política, implica que o partido se repense profundamente. Este amplo processo de debate deverá ser lançado desde já. E deve ter consequências de cima a baixo no partido.

É a ir à raiz dos problemas, na radicalidade das soluções socialistas e não na mera oposição a um mal maior, que podemos enraizar o Bloco socialmente e transformá-lo numa força determinante para a construção do socialismo. Por isso, lutamos por um Bloco socialista, irreverente, preparado para enfrentar os desafios dos nossos tempos e vencer a extrema-direita e o liberalismo. Une-nos a luta por um Bloco plenamente democrático, construído de baixo para cima, em que a divergência é encarada como a riqueza de um socialismo que se quer policromático. Une-nos a urgência da transformação social e a necessidade de repensar caminhos para o fazer. Aqui estamos para a luta quando ela é mais necessária do que nunca.

Subscrevem:

Aan Gomes Branco – Caldas da Rainha/Leiria

Alda Grelo – Almada/Setúbal

Alexandre Café – Vila Franca de Xira/Lisboa

Alexandre Cunha – Caldas da Rainha/Leiria

Alice Nunes – Lisboa/Lisboa

Amália Oliveira – Évora

Amaru Mestas – Coimbra

André Marques – Lisboa/Lisboa

Aníbal Rodrigues – Europa

António Eduardo Pereira – Lisboa/Lisboa

António Santos – Amadora/Lisboa

Artur Gouveia – Viseu

Camila Geirinhas – Lisboa/Lisboa

Carlos Carujo – Vila Franca de Xira/Lisboa

Carlos Cerqueira – Sintra/Lisboa

Frederico Mira – Amadora/Lisboa

David Norte – Vila Franca de Xira/Lisboa

Joana Santos – Amadora/Lisboa

João Patrocínio – Vila Franca de Xira/Lisboa

José António Guerra – Sesimbra/Setúbal

José Dias – Évora

José Luís Carvalho – Almada/Setúbal

José Manuel Sousa Leite – Faro

Luís Miguel Santos – Odivelas/Lisboa

Miguel Barrantes – Lisboa/Lisboa

Miguel Madeira – Portimão/Faro

Nuno Miranda – Sintra/Lisboa

Paulo Nascimento – Beja

Paulo Pica -Oeiras/Lisboa

Pedro Taveira – Seixal/Setúbal

Ricardo Toste – Terceira/Açores

Rita Ribeiro – Amadora/Lisboa

Samuel Cardoso – Lisboa/Lisboa

Sandra Rodrigues – Vila Nova de Gaia/Porto

Sandrina Espiridião – Lisboa/Lisboa

Soraia Simões de Andrade – Lisboa/Lisboa

Maria Teresa Ribeiro- Amadora/Lisboa

Orlanda Silva – Lisboa/Lisboa

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