
A política envolve todos os poros da sociedade, quer se queira, quer não: não podemos fugir a ela. O envolvimento político mais direto, quer num partido, numa associação, num sindicato, no que seja, já parte de uma escolha mais explícita de agir de forma coletiva para procurar moldar o funcionamento da sociedade.
Esta escolha de se envolver pode prender-se a racionais tão distintos como a tentativa de combater as injustiças sociais ou conseguir status e empregos. Mesmo à esquerda, quando este impulso de engajamento é indissociável de uma determinada forma de ver o mundo e de se situar nele – desnaturalizando as desigualdades sociais e concebendo um mundo onde sejamos, usando de empréstimo as palavras de Rosa Luxemburgo, socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres –, não quer dizer que os motivos não sejam múltiplos e complexos. A necessidade de reconhecimento, por exemplo, atravessa toda a nossa existência. É quase aberrante dizer que não nos importa o que os outros pensam de nós. Importa, é essencial, somos animais sociais: ignorar isso é escolher colocar palas nos olhos. Negar a multiplicidade de motivos e desejos é um mau serviço a uma causa que se quer emancipadora e libertadora da humanidade.
Por causa da multiplicidade de desejos que presidem à participação política, é difícil concebê-la de uma forma unidimensional (por exemplo enquanto desejo meramente altruísta ou simplesmente egoísta). E mais difícil fica quando levamos em linha de conta que o envolvimento ativo na política é inerentemente caraterizada pelo expressar de relações de poder de uma forma particularmente intensa, ostensiva e permanente.
Dentro dos movimentos políticos, esta importância sublimada do poder faz com que muitas das piores coisas das pessoas venham ao de cima, porque o poder altera e inebria. De entre as mais evidentes, podemos pensar na prepotência, na ridicularização dos outros, no intriguismo, na soberba. Termos consciência disto é importante: até porque todos, de uma forma ou outro, caímos em hábitos enraizados e replicamos algumas destas coisas. O envolvimento político é uma prática difícil.
Estas caraterísticas criam um desgaste emocional, mais acentuado para quem não “manda”, ou manda pouco. Pensamos que isso ajuda a compreender em larga medida a dificuldade de a esquerda manter a sua militância: décadas de derrotas consecutivas intercaladas apenas por breves e pequenas vitórias, uma sociedade que por ser capitalista é estruturalmente repelidora da esquerda anticapitalista com exceção dos momentos de rutura sistémica, e a centralização de poder em movimentos políticos onde a capacidade de disputar o poder a nível social escasseia geram uma sensação de impotência e um derrotismo generalizado.
É sempre bom lembrarmo-nos que fazer política implica construir laços entre humanos e que o conflito é uma inerência. Se queremos militar sempre pelo socialismo num contexto histórico que se nos apresenta como tão desfavorável, precisamos de conseguir ter o distanciamento para saber que as relações entre pessoas, num movimento político então, são complexas, e não patologizar aqueles que se apresentam como nossos adversários internos, para que o ressentimento não tome conta do essencial do desejo político. Ninguém está a salvo disto: maiorias, minorias, seja qual for a geometria política de que falemos.
Que ilações políticas tirar destas constatações?
Temos de contribuir, na disputa de ideias e na prática quotidiana – nas associações locais, nos bairros, em todos os lugares onde se constrói coletivo – para um movimento de massas que gere convulsões no capitalismo e nos tire do caminho de retrocesso, liberalização económica e fascização social das nossas sociedades. Para o fazer, é preciso aceitar que, mesmo quando estamos muito convencidos da nossa razão, precisamos de dialogar com outros com que discordamos e construir em conjunto. Excluir das decisões afasta e enfraquece-nos coletivamente.
A direção do Bloco deve reconhecer a necessidade de uma militância intensa e com liberdade de tomada de decisão, dentro do que são os parâmetros políticos basilares que nos definem. Não hostilizar quem se apresente de forma diferente, e compreender que uma melhor distribuição de poder vai não apenas mais em linha com a sociedade por que nos batemos, como é a melhor forma de manter militantes e de incentivar uma militância intensa. Precisamos de abertura para dialogar com quem foi do Bloco e dele saiu, para quem com ele se desiludiu, para quem dele duvida num conjunto de assuntos, mas se situa inequivocamente do lado da política emancipatória: é preciso trazer estas pessoas para o Bloco, dar-lhes este espaço para militarem e construírem mais Bloco.
A caminhada no deserto, que esperemos que não seja particularmente longa no tempo, em que nos encontramos, é menos penosa pessoalmente, e menos prologada politicamente, se a fizermos em conjunto.
Subscrevem:
Carlos Carujo
João Patrocínio
Samuel Cardoso