Texto coletivo para Vª Conferência do Bloco, Porto, 26.10.2024
Falta clareza para começar o debate.
1.1- Prepara-se uma coligação pré-eleitoral entre o Bloco e o PS em Lisboa? Vários órgãos de comunicação social garantem-no. O texto da Comissão Política é bem mais vago, limitando-se a dizer que “o Bloco acompanha com abertura a vontade publicamente demonstrada” pelo PS. Espera-se, portanto, uma clarificação: está ou não o Bloco já a negociar com o PS?
1.2- Que linhas vermelhas do Bloco para um acordo destes? O texto da CP também não é claro sobre isto. Escreve-se que “a avaliação desta candidatura (…) está sujeita aos mesmos critérios programáticos acima enunciados”. Só que a conclusão desses critérios programáticos no parágrafo anterior parecia ir num sentido absolutamente diferente: “nas eleições autárquicas, o Bloco procurará, sempre que possível, criar alianças sociais em projetos locais de transformação política à esquerda, alternativos à governação autárquica do PS e do PSD”. A direção do Bloco deveria portanto trazer a debate abertamente tais “critérios programáticos” pois não são um pormenor nem uma questão de mercearia.
1.3- A coligação pré-eleitoral com o PS limita-se a Lisboa? Imediatamente a seguir a afirmar aquela necessidade de alternativas, escreve-se que “as concelhias do Bloco de Esquerda avaliarão as condições e proporão à Mesa Nacional coligações pré-eleitorais com outras forças progressistas, ecologistas e de esquerda”. Depreende-se pela colocação da frase que o PS estaria excluído destas propostas mas, ainda assim, cabe questionar: está a direção do Bloco a ponderar aceitar coligações pré-eleitorais com o PS noutros pontos? E, já agora, que critérios (programáticos ou não) serão estabelecidos para a direção avaliar cada uma das propostas de coligações locais?
Por outro lado, a ser de concluir que a proposta de coligação pré-eleitoral com o PS se limita a Lisboa, o que é dado a entender também pela criação de um parágrafo específico sobre o tema (o que não é feito sobre mais nenhum concelho do país), isto é contraditório com declarações de dirigentes do Bloco que vieram dizer que o Bloco quer “encontrar convergências mais amplas que incluam o PS”, “em concelhos como Lisboa” ou falam na “possibilidade de convergências mais alargadas para derrotar executivos de direita em sítios-chave do país” (declarações no Público online 2 de julho de 2024).
O ponto de partida do debate é assim mau. Do que está escrito, não fica claro o que está em causa, nem dentro de que limites programáticos a direção se propõe situar a sua política. Sendo que no próximo momento coletivo nacional de debate sobre isto, a Convenção do Bloco do próximo ano, já tudo estará decidido.
O que justificaria uma viragem na política autárquica do Bloco?
Com a exceção do Funchal, o Bloco tinha vindo a decidir apresentar-se a eleições autárquicas sempre à esquerda do PS. Uma escolha que certamente não seria “principista” mas refletia a necessidade de afirmação de um projeto autónomo de um novo tipo de políticas autárquicas no país que soubesse igualmente fazer encontros com outras forças políticas em vários momentos.
Uma inflexão desse caminho poderá ser-nos justificada por um novo contexto político, uma mudança política do PS – ou, melhor, uma mudança da avaliação da sua política –, ou uma mudança de objetivos e de estratégia do Bloco.
2.1- Só que nenhuma das duas primeiras condições mudou de modo a justificar tal viragem. O contexto político tem sempre as costas largas. Mas nada na conjuntura implica uma coligação pré-eleitoral com o PS, antes pelo contrário. Por um lado, não é a primeira vez que a direita gere o país com um programa agressivo. Por outro, a grande novidade da conjuntura, o crescimento da extrema-direita, implicaria o inverso: a necessidade de existência de uma alternativa de esquerda forte ao centrão capaz de se afirmar contra os interesses dominantes, de ser verdadeiramente contra o sistema.
2.2- É certo também que o PS não mudou essencialmente de política autárquica, continuando a representar os mesmos interesses. No caso de Lisboa, não se tem vislumbrado qualquer vontade de romper com eles nem com a má gestão anterior que levou à sua derrota eleitoral. Nem deve, claro, ser depositada nenhuma esperança de que agora é que aquele partido vai ser (e fazer) diferente.
2.3- Há ainda uma outra possibilidade: puxar pela exceção lisboeta. Seria a dureza da conjuntura da capital que faria a diferença. Mas Moedas há muitos e sempre houve. E uma exceção lisboeta na estratégia eleitoral do partido, a concretizar-se, não se compreenderia a não ser de um ponto de vista lisboacêntrico.
Não diminuindo a importância da maior autarquia do país e da sua influência na política nacional, a sua direita ultraliberal não é de todo exceção no país (tem é mais dinheiro e visibilidade). Nem se compreende, aliás, uma espécie de obsessão permanente com Lisboa que parece menorizar a gravidade do que se passa no resto do país.
2.4- As atenções concentradas em Lisboa poderiam até ser um contra-argumento relativamente à concretização de uma coligação deste género. É uma cobertura mediática feita de provincianismo alfacinha que gosta de tentar fazer de Lisboa o centro. Mas, assim sendo, sem voz própria em Lisboa, o Bloco fica com a afirmação da sua posição própria comprometida. Isto apesar, reitere-se, dela não se dever centrar, como o fez e mal em outras ocasiões, numa candidatura lisboeta.
2.5- Para além disso, uma campanha ao lado do PS em Lisboa e determinadamente contra ele em muitos outros municípios onde o PS mantém políticas semelhantes àquelas que conduziu na capital, nomeadamente as da própria Grande Lisboa mesmo ali ao lado, encerra contradições que prejudicam os objetivos destas candidaturas. Como se explica que a partir da linha de uma fronteira concelhia o PS passa a ser parceiro se defende o mesmo do que do outro lado?
Ou então, se Lisboa não for exceção, o que impede de se estar a abrir a possibilidade de coligações pré-eleitorais com os sociais-liberais em meio país? Em que condições? Sendo oposição caso o PS esteja no poder e coligando-nos quando estiver na oposição? E para além das autárquicas que lições nacionais vão ser tiradas? Que se prenuncia uma nova geringonça? Não ajudará a coligação pré-eleitoral local em Lisboa a enfraquecer a ideia de uma alternativa política global que urge?
Esta é uma viragem significativa na forma do Bloco fazer política.
3.1- Para além dos argumentos já apresentados nos dois textos anteriores, poderiam ser ainda sobrar outros dois (e bastante mais circunstanciais) a favor de uma coligação pré-eleitoral com o PS. Um baseia-se na possibilidade do Bloco não eleger vereador em Lisboa numa candidatura própria. A direção do Bloco nunca o admitiria e seria errado tomar uma decisão destas baseando-se num calculismo derrotista e de lugares.
3.2- Outro partiria do facto de nas Câmaras quem tiver um voto mais conquista a presidência para assim justificar uma suposta soma de votos. Mas esta ilusão da soma automática de votos é outra forma de calculismo que é fatal. Quem procure alternativas ao que o PS tem sido (e quer ser) em Lisboa continuará a procurá-las. Quem achar que não as encontre muito provavelmente não vai juntar os seus votos para eleger um candidato do PS. É, portanto, apenas uma profissão de fé dizer que a coligação pré-eleitoral em Lisboa seria a melhor forma de combater Moedas. Uma candidatura aguerrida que coloque os pontos nos iis faz mais por esse combate e é mais mobilizadora do que a dissolução num caldo político vagamente de esquerda capitaneado pelo social-liberalismo.
E, até se quiséssemos entrar numa especulação de cálculos, pode-se ainda pensar que atrelados ao PS (por quanto tempo?) teremos muito menos força negocial para impor políticas para a cidade.
3.3- De qualquer forma, argumentos conjunturais ou imediatos não podem fazer esconder que se trata de uma mudança política de monta. O Bloco já antes tinha mudado a sua relação com a governação local (ao aceitar entrar no executivo do PS em Lisboa, acantonando-se no seu pelouro e sem influência real para mudar as políticas de conjunto da autarquia). Com uma proposta (pelo menos de uma) de coligação pré-eleitoral com o PS, o Bloco volta a fazer uma mudança significativa que inflete o rumo da política autárquica do Bloco desde a sua fundação. Sobre uma mudança deste tipo e as suas consequências não há a devida reflexão aprofundada. No texto da Comissão Política, “arruma-se” a questão num pequeno parágrafo. Altera-se desta forma a política vincada pela maioria nas últimas convenções. E quando a próxima acontecer, já haverá factos consumados.
3.4- Há que afirmar ainda que um projeto de política local não se constrói de cima para baixo a partir de uma participação em executivos que supostamente iria acumulando forças. Nem a ilusão aritmética de que a soma automática de votos numa coligação produz vitórias nem a ilusão geométrica de que pode funcionar uma acumulação de forças progressiva de forças para um futuro longínquo a partir da participação institucional são convincentes ou nos servem com base para mudar de política.
3.5- Mas para além de tudo isto, o ponto de partida deve ser a necessidade de afirmação de um projeto autárquico para além do centrão. E só haverá mais esquerda se ela se traduzir nas propostas que o PS nunca quis nem quer implementar. E só mais esquerda poderá disputar com a extrema-direita os sentimentos de raiva e alternativa ao existente. E só mais esquerda fará com que haja menos moedas e dará força para determinar a política local.
Subscrevem:
António Santos, Amadora
Carlos Carujo, Vila Franca de Xira
João Patrocínio, Vila Franca de Xira
José Dias, Évora
José Guerra, Sesimbra
Paulo Pica, Oeiras
Samuel Cardoso, Vila Franca de Xira