Por um programa de transformação social de fundo

Contributo para o debate sobre o programa eleitoral do Bloco de Esquerda para as eleições legislativas de março de 2024

A crise habitacional, do SNS, da educação e dos restantes serviços públicos, subfinanciados há muito, a insuficiência na resposta à emergência climática e a pauperização da classe trabalhadora em Portugal são ilustração das insuficiências do acordo de incidência parlamentar para viabilizar o governo e os orçamentos do PS após as legislativas de 2015.

O acordo habitualmente designado como geringonça permitiu afastar temporariamente a direita de Passos Coelho do poder e mitigar alguns dos efeitos da ofensiva liberal dos governos anteriores contra os direitos de quem trabalha, os serviços públicos e o Estado social, mas não mudou estruturalmente nada na sociedade portuguesa, permitindo que se entranhasse uma austeridade “light” em que a falta de investimento público e os limites ao deficit parecem ser o único horizonte político possível.

Embora todas as (poucas) medidas de sentido favorável aos interesses de quem trabalha se terem devido à pressão dos partidos à sua esquerda e à luta social, foi o PS que capitalizou nas eleições de 2021 as mais-valias de uma relativa estabilização económica, conseguindo uma maioria absoluta. Por outro lado, a imagem de comprometimento da esquerda com o poder deixou que os descontentamentos fossem absorvidos pelo populismo da extrema-direita.

Sem nenhum travão à sua esquerda, o governo de maioria absoluta do Partido Socialista aprofundou a ofensiva contra os serviços públicos, conduziu a um ponto de rutura a situação na habitação, permitiu que a inflação esmagasse o salário e não respondeu à emergência climática.

Agora que o governo do Partido Socialista caiu, a solução à esquerda não passa pela defesa abstrata e sem programa de um gerigoncismo. Uma unidade à esquerda sem programa que salve o SNS, que valorize a escola pública, que resolva a crise da habitação, que garanta o trabalho com direitos e salário justo e ponha cobro ao colapso climático representa a defesa da política do mal menor e a vitória da cultura do medo. E é deixar espaço para a extrema-direita se apresentar como a única (falsa) alternativa ao sistema em que vivemos.

Não sabemos que governo teremos após o 10 de março. De qualquer forma, cabe ao Bloco apresentar um programa de transformação social de fundo, marcadamente anti-capitalista. Este programa deveria igualmente traçar claramente as linhas vermelhas para um acordo das esquerdas em caso de maioria parlamentar ou, seja, servir de base para a unidade na luta e a mobilização contra um possível governo da direita e extrema-direita. Sem esse programa, não estaremos a trabalhar no sentido duma resolução anti-capitalista da crise, não ganharemos a simpatia do ativismo social emergente e abriremos caminho ao populismo da extrema-direita.

Assim, consideramos que este programa deve assumir, entre outras, medidas de resposta imediata à classe trabalhadora como:

· Aumento imediato do salário mínimo para 950 euros em 2024 e aumento real de pelo menos 25% no cômputo da legislatura, assim como uma valorização real dos restantes salários;

· Reduzir o horário semanal de trabalho para as 32 horas;

· Assegurar um forte aumento do investimento público e a ampliação das políticas sociais do Estado;

· Assegurar um aumento significativo no financiamento ao SNS, em detrimento do financiamento a privados, garantindo condições para a fixação de funcionários no SNS e o fim do lucro com a saúde das pessoas;

· Reforçar o investimento na escola pública e nas condições de vida de quem a constrói;

· Travar as medidas liberalizantes que potenciaram a crise na habitação, limitar os juros cobrados pela banca no crédito à habitação, regular as rendas e o uso do património imobiliário privado e implementar um plano de aumento generalizado do parque público de habitação;

· Levar a cabo um programa de construção de infraestrutura pública de combate à emergência climática: investimento privilegiado nos meios de transporte públicos, nomeadamente a ferrovia, reconstrução de floresta autóctone, em vez do eucaliptal, e promoção da agricultura sustentável, em vez das monoculturas destruidoras de solo e altamente consumidoras de água;

· Iniciar um programa de reindustrialização que garanta trabalho com direitos e salário justo, a transição energética, a soberania produtiva, a mobilidade e coesão territorial;

· Investimento massivo em fontes de energia renováveis, com particular ênfase para as formas descentralizadas, com vista à total soberania energética de fontes renováveis. Comprometimento com o fim da utilização de combustíveis fósseis, não apenas para a eletricidade, mas também para as outras formas de geração de energia, até 2030;

· Para assegurar a transformação económica e social dos pontos anteriores, é necessária a nacionalização dos setores estratégicos da economia;

· Enfrentar as regras orçamentais europeias, batendo-se por alterar as regras do Euro;

· Reconhecimento dos Estados da Palestina e do Saara Ocidental por parte do Estado português;

Subscrevem:

Alexandre Cunha 9201

André Marques 15285

Aníbal Rodrigues

António Pereira 287

António Santos 1108

Artur Gouveia 12061

Carlos Carujo 101

Ezra Santos 5334

João Patrocínio 13408

José António Guerra 1032

José Dias 7667

Luís Miguel Santos 8954

Samuel Cardoso 9828

Soraia Simões 14724

Vítor Gomes 3629

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *